“Surdo, logo existo” narra pontos históricos da proibição da língua de sinais pelo Congresso Mundial de Professores de Alunos Surdos, em Milão, em 1880, e a tomada do corpo surdo como anormal e objeto da ciência moderna. O espetáculo é composto por esquetes que apresentam diversas cenas do cotidiano das pessoas surdas, apresentando aspectos do histórico de opressão da comunidade surda e as diferentes camadas de violências em contextos dominados pela estrutura ouvinte, da literatura filosófica à instituição médica e jurídica, apresenta-se a sistemática exclusão de pessoas surdas numa textualidade corporal e visual. A história é apresentada em língua de sinais de forma poética e visual, sem a “necessidade” de intérprete para ouvintes.
A falta de comunicação com a família, a aquisição tardia da língua materna, a imposição arbitrária da prática fonoaudiológica e da oralização na infância, a falta de informação na mídia e em quase todos os espaços públicos e privados, são experiências que atravessam os corpos das atrizes e atores surdos que compõe o elenco.
“Surdo, logo existo” é inspirado no teatro do oprimido e subverte os meios de produção teatral, reivindica o lugar da arte surda e denuncia as metanarrativas que capturam o corpo surdo. A peça é uma sátira ao sistema operante dos ouvintes e de forma futurística, reflete sobre “o mito de Milão”, inverte o mundo surdo e ouvinte e de forma sucinta retrata os mais de 120 anos da história de opressão sofrida pelas comunidades surdas. Os personagens não representam, são e existem, é a história com desejo de ficção e a vontade de recontar como “mito” a mais recente realidade.
Reflexões
“Cogito, ergo sum” foi a conclusão de Descartes ao afirmar que se somos seres pensantes, existimos. A questão surda que se coloca, é sobre como o pensamento formulado no ocidente, levou ao racionalismo de entender o pensamento como fruto da língua oral, seguindo preceitos aristotélicos de que as pessoas surdas não possuíam linguagem, portanto não eram capazes de raciocinar. O método cartesiano da modernidade, possibilitou o estudo meticuloso do corpo humano, isso somado a invenção da experiência surda como deficiência, falta, incapacidade, lastreou não apenas a instituição médica e tecnológica (de aparelhos auditivos e implantes), como clínicos (tratamentos fonoaudiológicos e orofaciais), pedagógicos (ensino pelo método oralista, ausência de língua de sinais, metodologias ouvicentradas), jurídicos (legislações imputando direitos surdo, como de casamento, herança, maternidade e etc); políticos (proibição da língua de sinais, epistemicídio linguístico, falta de políticas públicas), religiosos (demonização da surdez, c/surdez como castigo, ritos de cura) entre tantos outros campos institucionais minados pela estrutura ouvinte. É evidente que a experiência surda no mundo antecede os preceitos progressistas da modernidade, do desejo da perfeição Vitruviana, da eugenia e a esperança de um futuro livre das mazelas sociais e daquilo que é visto como deficiência. O autor surdo Paddy Ladd cunha o conceito de “Deafhood” – Surdidade, para recontar a história surda, não pela lente da deficiência, da surdez clínica, mas em especial, pela afirmação da existência surda e de sua experiência ontológica enquanto ser surdo – um ponto de vista linguístico e biocultural sobre o mundo. Os atravessamentos linguísticos, sociais, culturais e identitários, constituem um lugar único de vivência das pessoas surdas. A língua nos une e é esse lugar de troca linguística cultural que permite acontecer o encontro surdo-surdo, no qual descreve Gladis Perlin, primeira doutora surda do Brasil. É nesse encontro que o óculos da surdidade faz nascer um surdo, não aquele apresentado em uma sala de hospital, rotulado por uma ideia de falta e deficiência, levando mães e pais ao desespero, mas aquele “tornar-se surdo”, com pertencimento, língua, cultura, pensamento e existência.
Quando?
Do dia 03 à 25 de fevereiro
sábados às 16h, 18h e 20h
Domingo às 16h e 18h
Duração: 1h
*Sessão com audiodescrição: 24 e 25 de fevereiro
** Sessão com guia-intérpretes para surdocegos: 10, 17 e 24
Onde?
Mini auditório do Teatro Guaíra – Glauco Flores de Sá Brito
Entrada pela Rua Amintas de Barros
Ingressos:
Reserva de Ingressos pela Fluindo Libras
Whatsapp (41) 989036987
*Retirada de reservas até 30min antes da peça
**Ingressos ociosos são liberados 20min antes da peça.
*** Entrada grátis com contribuição voluntária ao final da peça
Instagram: @surdologoexisto e @fluindolibras
FICHA TÉCNICA
Elenco
Bruno Lopes
Carlos Eduardo
Diegho Silva
Emanuelle Dias
Gabriela Grigolom
Josiane Machado
Paula Roque
Paulo Silva
Rafaela Hoebel
Ricardo Fiedler
Texto e Direção: Gabriela Grigolom e Jonatas Medeiros
Direção de corpo: Rafaela Hoebel
Produção Executiva: Felipe Patrício
Coordenação Geral: Chiris Gomes
Produção: Rafaela Hoebel, Chiris Gomes e Felipe Patrício
Produção de figurino: Viviana Rocha
Criação de Luz: Octávio Camargo e Fernando Dourado
Operação de luz: Fernando Dourado
Cenografia: Fernando Marés
Foto e vídeo: Giuliano Robert
Identidade Visual: VIK Von
Maquiagem: Gabriela Viana
Intérprete de Libras: Jonatas Medeiros
Guia-intérpretes para surdocegos: Gilberto Bertolino e Vanessa Casali
Audiodescrição: Raquel Carissimi
Captação: Caroline Roehrig
Assessoria de imprensa: Lide multimídia
Realização: Fluindo Libras e Casa 603
Incentivo: Divesa
Apoio: Bait Nazha – Culinária Libanesa
Projeto realizado com recursos do Programa de Incentivo à Cultura da Fundação Cultural de Curitiba e Prefeitura de Curitiba
SOBRE O GRUPO
O espetáculo tem Gabriela Grigolom, surda, poeta e atriz como dramaturga e diretora em conjunto com Jonatas Medeiros, traduator, roteirista, pesquisador e produtor cultural. O elenco é composto somente por artistas surdos e propõe uma reflexão sobre o “ser surdo” e a surdidade, sobre as barreiras de comunicação na sociedade e a “dita” acessibilidade, subvertida em uma peça inteiramente sinalizada em Libras e sem tradução para os ouvintes. Uma experiência de inversão e uma imersão no mundo surdo.
O elenco reúne artistas surdos que realizaram em 2019 a primeira montagem da peça “Surdo, Logo Existo” na Sala 603, ponto de encontro da arte surda e sinalizada de Curitiba. Desde então, o grupo vem realizando diferentes ações artísticas surdas em Curitiba. O elenco é formado por surdos que permeiam a arte com produção caseiras desde poesias, hip-hop, audiovisual, artes visuais, artesanato, arte da marcenaria e performances. Surdas e surdos, atrizes e atores, autores de uma arte que eles dominam – a de usar o corpo como palavra.
A produção é assinada pela Fluindo Libras, produtora cultural surda e estúdio de tradução artística em Libras. A Fluindo é um coletivo sinalizante que atua, enquanto comunidade surda, na promoção da arte surda protagonizada por surdos, assim como na tradução artística em Libras enquanto experiência estética e cultural